O poeta Caio Augusto Leite (mais do que o contista e o romancista Caio Augusto Leite) é desses autores que, vestindo o cão-linguagem com uma coleira para passear pela página em branco, são surpreendentemente arrastados eles mesmos pelo ímpeto do cão. A linguagem puxa a mão do poeta Caio Augusto Leite mais do que o contrário: iniciar a leitura de qualquer verso do livro “numa janela acesa a noite não entra” (2021) é não fazer a mínima ideia de onde se chegará, já que sinônimo puxa sinônimo, sonoridade puxa sonoridade, referência (musical, histórica, mitológica) puxa referência. Quando o leitor se dá conta, já atravessou na leitura de um único poema 3 continentes, 2 milênios, um romance sombrio do século XIX e um meme dos fundos do YouTube. Que não se entenda, com isso, que Caio Augusto Leite não domine seu ofício. Mestre com dissertação que une Clarice Lispector a Leibniz e Espinosa e doutorando com tese que une Lygia Fagundes Telles a sociologia, Caio domina seu ofício, mostra-nos, porém, que seu ‘modo de domínio’ vem, estranhamente, de um ímpeto de liberdade: não no cerceamento, mas na expansão de linguagem é que mora a poética de Caio Augusto Leite. Em seus poemas, controlar a linguagem significa frequentemente abandoná-la à própria sorte e às associações mentais de um autor que é, sabemos, arguto leitor e ouvinte de seu tempo. Ana Cristina Cesar – uma das grandes referências subterrâneas deste livro – dá a chave quando afirma, sobre sua própria poesia, que “Ler é meio puxar fios, e não decifrar.” O isolamento durante a pandemia, o sexo (homoerótico), a locomoção no transporte público, a solidão – todas essas experiências são fios que podemos puxar do livro de Caio, mas ele (como todo bom livro) as ultrapassa. Nessa ultrapassagem, o livro-cão farejador de Caio quase sempre arrasta autor e leitores – não o contrário.
- Autores: AUTOR: LEITE, CAIO AUGUSTO
- Editora: CAIAPONTE EDIÇÕES
- ISBN: 9786580212118
- Páginas: 128