"No mundo mecanizado da era industrial, no qual a matéria inerte respondia a uma série de leis rigorosas, exatas e universais, o vivo constituía uma aberração tão inquietante como inexplicável. Já o corpo morto, desprovido da gloriosa chama vital, tornava-se cognoscível: suas engrenagens eram perfeitamente explicáveis. Assim, a tecnociência moderna procuraria elucidar o escândalo da vida como uma exceção à regra. Ou, então, tentaria inseri-lo na explicação mecânica universal, negando boa parte de suas potências ao reduzi-las ao mero funcionamento dos aparelhos que compõem cada organismo. Desse modo, o saber científico redefiniu o corpo humano: arrancando-o dos homens vivos para fazer do cadáver seu modelo e seu objeto privilegiado. Daí em diante, a intimidade corporal seria fatalmente colonizada: seu interior se desvelaria, dando-se início a um processo que hoje parece atingir seu ponto culminante com o deciframento dos genomas e a conquista do nível molecular graças às ferramentas digitais. No horizonte fáustico que caracteriza a este tipo de saber tão atual, porém, o projeto contempla a ultrapassagem de todos os limites que constringem a essa velha estrutura carnal, por meio da manipulação das informações genéticas, a reprogramação celular e a produção de vida nos laboratórios."
- Paula Sibilia
- Autores: AUTOR: SIBILIA, PAULA
- Editora: CONTRAPONTO EDITORA
- ISBN: 9788578661083
- Páginas: 248