Acompanhar uma existência cansada de mundo, mas não só. Cuidar. Observar com atenção qualquer mudança de humor, de hábito, de gesto e de intenção. Oferecer colo em silêncio e lembrar da palavra, como se a palavra pudesse guardar o mistério da morte ou do sono. Em O nome de meu pai, Marcelo Labes revela o peso das histórias sob a névoa da morfina dissolvidas em poemas, anotações, cartas, manuscritos, fotografias, documentos, cronogramas, áudios e qualquer outro registro que possa dar corpo à uma ausência.
Carregar um museu nas costas pesa, mas não só. Entender a linha do tempo como um percurso cambiante, que oscila em cada porta fechada, em cada frasco aberto. Lembrar daquilo que a memória duvida e ainda suspeitamos. Acreditar numa ideia que se solta durante a noite e busca um lugar vazio para deitar de ombros encolhidos. Aqui dentro, Marcelo Labes limpa nossos olhos para garantir que remela nenhuma atrapalhe a visão, arruma a cama com lençóis limpos, entrega café quentinho e questiona o que fica e o que parte com a coragem de quem enfrenta o esquecimento. Porque, sim, a memória é mesmo um tumor acompanhado de outros tumorezinhos.
O que há debaixo do chão? E por que isso importa quando não existe chão, quando debaixo é longe demais? Pegar na mão do pai e confundir com a mão de filho. Contar nos dedos os primeiros passos, a primeira palavra falada, o primeiro amor de um homem por outro, o último copo de água servido, o último remédio descartado da cartela. A brutalidade de um rotina harmoniosa, controladas por horários, restrições e refeições não se acomoda dentro do costume. De um sono pesado, o corpo acorda e vibra. É o perna de pai com braço de filho, é peito de filho com boca de pai e tanto faz de quem é o que quando o tempo silencia. Um amor calado se manifesta e se apresenta pelo nome.
Esperar deus sentado, mas não só. Deixar uma cadeira vazia na varanda, um cigarro aceso esquecido no cinzeiro e ouvir os estalos de quem conhece a casa onde mora. O nome de meu pai observa o deslocamento da memória no toque, no cheiro, no cabelo que fica no ralo, no pedaço de unha aparada, na toalha molhada que o verão esquece de secar e mostra como a palavra é capaz de guardar aquilo que temos e que tememos. A partida pode ser um lugar seguro quando dividimos nossas histórias. Morrer é devagarinho. Como fazemos todo dia ao acordar e, de olhos abertos, esquecemos. Marcelo Labes não esquece: escreve com fome, com uma absurda fome de eternidade.
- Autores: AUTOR: LABES, MARCELO
- Editora: CAIAPONTE EDIÇÕES
- ISBN: 9786599137396
- Páginas: 88